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terça-feira, 20 de setembro de 2011

Baker

Baker estava entristecido. Naquele dia ele não à veria. Seria o primeiro dia depois de tantos meses de emoção compartilhada. Seus olhos estavam úmidos e sua boca com os lábios apertados ainda sentia o sabor do último beijo.
Ela parecia nem se importar com tanta contrição de Baker. Sorria e pulava satisfeita pela liberdade que adquiria a partir daquele dia. Seus olhos brilhavam de alegria e sua boca, cheia de batom, esperava pelo próximo beijo. Não o beijo rotineiro de tanto tempo - pouco tempo para Baker - de um relacionamento - agora, esmaecido para Baker - amoroso e sem angústias maiores.
O espelho - “aquele objeto prata?” reflexivo e/ou refletivo - diante de Baker parecia um monstro. Exilado da naturalidade da vida, Baker contristava-se por perceber sua pele enrugar-se. Seus olhos sem brilho, fixavam-se na sua imagem refletida e reflexiva projetada naquele espelho. Um jovem escondido por detrás daquela imagem falecia envolvido pelo medo de ser que o tempo obrigava-o a encarar enquanto encarava a sua própria imagem projetada naquele espelho.
Vitorioso? É o como deveria sentir-se.
E Ela era fresca como as flores do campo. Seu olor espalhava-se como a brisa das manhãs de primavera em campinas floridas, onde a natureza se renova a cada dia expondo uma beleza crescente e extasiante. Seus olhos, de azul celeste, espalhavam-se na vastidão impondo uma eternidade incômoda incompreensível incutida de incauto fulgor de reminiscências. Vibrante era a Sua força de feroz voz e fugaz fantasia que freme como o vento vadio que às vezes esvoaça em nossos pensamentos varrendo a nossa razão. Molemente linda e lânguida seus braços de laços enlouquecedores leva a letargia cobrindo com um lençol de lembranças lúdicas e levando nossa vontade pelas águas dos rios da vida.
Uma lágrima solteira se solta do olho esquerdo de Baker escorrendo-lhe pela face de pele ressequida. Obra daquela visão inconveniente para um homem como ele que sempre fôra vaidoso. Especialmente naquele dia, Baker sentia-se impotente diante de tanta juventude. Era assustador perceber, logo agora, que a vida passara rapidamente sem que ele ao menos percebesse. Sentia-se jovem até ontem. Perturbava-o saber que tudo mudava repentinamente estimulado por uma simples decisão. Sabia que mais cedo ou mais tarde, todo homem é obrigado a parar e refletir sobre si mesmo, mas não imaginava que pudesse ser tão doloroso.
Seu peito doía de remorso por estar ali diante daquele espelho. Penetrando naquele espaço virtual, não compreendia as dimensões escondidas nas profundezas daquela 'planitude' do espelho. Fosse a vida plana como o espelho, não estaria ele aprofundado naquela lamúria e percalço de ambíguas reflexões metafísicas, pois o ponto de vista é básico para determinar a conclusão. Poderia ali mesmo perceber o quanto estava sendo vitorioso, mas suas reflexões não conduziam para tal fim. Fim era um termo que passava pela sua cabeça confusa, covardemente, diante daquela esfera brilhante que transcendia a 'planitude' do espelho.
Dos cantos dos seus olhos perturbados surgiam alguns veios que cortavam levemente a carne, denunciando a vida. “Cavalo dado não se olha os dentes", pensou estupidamente e sentiu-se ainda mais animal e menos valoroso que um cavalo. “Se alguém o desse, quem o aceitaria?”, pensou em voz baixa. E uma lágrima vadia volta a despregar-se de seu olho esquerdo.
Até ontem os seus pensamentos eram os mesmos de sua juventude quase irresponsável. Pensava, naqueles tempos, que com o decorrer dos anos essas coisas também se transformariam deixando as velhas fantasias esquecidas nos cantos da alma, criando teias de aranhas neurológicas. Mas estava ali, diante daquele espelho, que refletia sua imagem transformada com os mesmos pensamentos incutidos e incultos.
Nesse momento em sua boca, o aroma fresco do último (ou primeiro?) beijo emocionou-o. Não somente uma lágrima solteira percorreu o seu rosto que começava amassar-se. Lágrimas e mais lágrimas começaram a rolar lavando-lhe a pele seca que, agora umedecida, renovava-se num êxtase vibrante e jovial.
A sensação que se tem é de que Ela nunca envelhece. Como uma rosa vermelha e cheirosa, espalha o seu perfume suave e sua beleza delicada que enfeita os jardins daqueles que a buscam pela vida afora. Gotinhas de sereno perfeitas sobre as pétalas denunciam sua jovialidade eterna e paradisíaca. De pele suave que provoca o desejo de não ser tocada para não ferir. Mas as mãos, diante de tanta emoção, se impossibilitam da imobilidade e tocam-na sutilmente arrancando-lhe suspiros ternos e prolongados. Os lábios também vermelhos tocam-lhe a pele, da mesma cor, com gestos lentos e febris. E os gemidos de satisfação entrecortam as dimensões que separam os seres dos sonhos e da realidade. Sua delicadeza é tão contundente que se torna impossível não penetrar nessa Sua dimensão etérea.
E Ela, a juventude, renasce mentirosa e traiçoeira.
Baker sorri com o rosto ainda banhado de lágrimas. Uma descoberta, ou redescoberta de seu próprio eu que poderá renovar-lhe o espírito ainda jovem que dá vida à carne envelhecida. Ele deveria estar preparado para as traições da vida, mas não estava. Sorri diante da própria ingenuidade de ser um homem adulto com medo de sê-lo. Conhece a sorte o bastante para saber que ela não existe. Aquele momento, então, deve ser cerimonioso. Percebe que seus momentos são únicos diante da impossibilidade de renovar-se, o tempo de vida, e por isso tem que ser aproveitado em toda a sua plenitude. E agora Baker sente-se feliz por perceber que é um homem e como tal, pode penhorar suas experiências em troca de conquistas. E isso, ninguém poderá tirá-lo. A não ser eLA, quando vier. Mas que isso fique para depois. Esse é o momento. Viver é a palavra de ordem. E Baker consegue se olhar no espelho sem qualquer constrangimento. Lágrimas? sim. Quantas vezes for preciso, desde que sejam de felicidade.
É preciso renovar-se a cada dia. É necessário assumir novas experiências. Baker sabe disso e deseja dizer ao mundo.
E eLA, a sua noiva, finalmente vem buscá-lo.
Um terno sóbrio cobre o corpo de Baker. “Gravata vermelha? é elegante, mas coloca uma mais discreta !” Afinal, Baker vai se casar. Olha-se no espelho e sente-se feliz. Sabe ter aproveitado bem a sua juventude.
Com a pele do rosto totalmente amassada, Baker alegra-se por, ainda assim, conquistar uma noiva. Bela e fresca. Com o aroma das flores do campo que perfumam o universo durante a primavera. Lânguida e linda.
E todos entram na igreja, silenciosamente, para contemplá-lo ali, sorrindo, diante do altar... enquanto Baker, sorrindo, penetra no espelho...

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