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quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Amor Pagão

Conta-se que pelos idos anos 60, na capital da Bahia, Salvador, numa noite chuvosa, um jovem mancebo decidiu ir a um baile. Passara um dia muito solitário em seu trabalho, no banco onde era escriturário. Sentiu, naquela noite de sexta-feira, um desejo bisonho de dançar até o baile acabar. Parecia nunca ter feito aquilo, pé-de-valsa que era. Um vazio profundo estava em seu íntimo, impulsionando-o a ir aquele salão onde moças solteiras esperavam timidamente que um cavalheiro fizesse as honras e as convidasse para dançar. Era um salão de família, e os casais casados da sociedade costumavam freqüentar aquele ambiente que iniciava suas funções na sexta-feira. Quem estivesse à procura de mulheres fáceis, era melhor não ir ali. O lugar trazia o selo de idoneidade social, e o jovem mancebo sentia um desejo fremente de encontrar alguém com quem pudesse entrelaçar um relacionamento. Arrumou-se com a melhor roupa, passou gomalina nos cabelos, bafejou seu melhor perfume. Decidiu tomar um ônibus, pois não queria impressionar moça nenhuma com seu carro. Experimentaria, naquela noite, o prazer de conquistar alguém que simpatizasse com seu eu, apenas. Abriu o guarda-chuva e seguiu até o ponto de ônibus, consternado, porém decidido a realizar aquela façanha. O salão estava cheio, e o pé-de-valsa se manteve afastado observando as moças que, timidamente, seguravam pequenas bolsas com as duas mãos na frente do corpo. Ele queria sentir o impacto da primeira impressão, somente então convidaria a cocote. E não estava fácil. Embora muitas moças bonitas estivessem a espera, nenhuma lhe provocara qualquer sensação imediata. Vários toques bailaram pelo salão, antes que ele sentisse a força do olhar de alguém que o observava. Não estava diante de si... o olhar vinha detrás. Virou-se lentamente, assustado com o que sentia. Quase não acreditou que diante de si, tão bela figura pudesse estar a observá-lo. Não seguiu imediatamente para o convite, pois suas pernas falharam. Precisava recompor-se, pois sequer conseguiria balbuciar o convite para dançarem. Ela aceitou sem qualquer titubeio. Um vagido sorriso estampou-se em sua boca pequena, enquanto oferecia a mão delgada para que ele a tomasse e a conduzisse até o meio do salão. Parecia que somente eles estavam ali. Um perfume suave de rosas inundava o ar de vez em quando. Dançaram a noite inteira, sem nenhum intervalo espontâneo. Ao terminar o baile, o jovem rapaz percebeu que não havia trocado uma palavra sequer. Perguntou o nome da moça. Ela apenas olhou profundamente nos olhos. Saíram no salão e uma forte garoa dominava o ambiente. Mais que depressa ele lhe ofereceu o casaco para que ela não se molhasse. Sinalizou pedindo a ele uma caneta e papel, ao que ele arranjou prontamente. Sem dizer uma palavra, a moça escreveu o seu nome, e o endereço de sua casa. O rapaz mostrou-se ansioso por levá-la para casa, mas ela meneou negativamente a cabeça. Mesmo que seja muda, pensou ele, é muito linda e gentil... posso superar esse limite. Despediu-se da moça, como fazem os cavalheiros, enquanto ela subia no ônibus e desaparecia no breu da noite. Somente após alguns minutos ele seguiu para o ponto, a fim de ir embora. No sábado, bem cedinho, o rapaz levantou-se, entrou no carro e seguiu em busca daquele endereço. Não foi difícil encontrá-lo. Era na periferia, em uma casa pobre, mas bem arrumada. Bateu na porta sentindo-se muito constrangido. Ainda era cedo, mas não queria perder tempo... estava certo de que encontrara o amor de sua vida. Uma senhora idosa atendeu a porta. Imediatamente ele se identificou e disse que estava ali para buscar a blusa que emprestara para a moça. A velha olhou-o com estranhamento e afirmou que ali não morava nenhuma moça com aquela descrição. Atordoado ele insistiu forçando um pouco a porta para entrar. Nesse momento viu na parede um quadro com uma pintura da face de sua amada. Estava mais jovem, porém não tinha dúvida que se tratava dela. Assustada com a insistência do rapaz que agora apontava para o quadro afirmando que se tratava da moça com quem dançara a noite inteira, a velha decidiu contar-lhe a verdade. Fazia três anos que aquela moça morrera. Atordoado, o jovem insistia que dançara com ela a noite inteira. Sem saber o que fazer, a senhora deu-lhe o endereço do cemitério, indicando-lhe a tumba onde ela fora enterrada. Não era possível acreditar naquela estória... havia algum engano, ele pensava enquanto dirigia-se ao cemitério. Chegando lá, ao aproximar-se da tumba, foi com espanto que o rapaz pode ver seu casaco descansando sobre a lápide, como se estivesse em um cabide. Depois, o que se via era o pobre rapaz andando pela cidade dia e noite, feito andarilho. Dizem que em vagos momentos de lucidez, ele dizia estar procurando aquela que por um pedaço de noite fora o amor de sua vida.

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